18 de mar. de 2009

Sobre a liberdade de expressão no Brasil


O termo “liberdade de expressão”, conforme o conhecemos no salvelindo Brasil, contém em si um grude semântico não muito evidente, pouco percebido e difícil de extrair.

Embora seja notório que os meios de comunicação no país são como capitanias hereditárias, pertencentes a meia dúzia de famiglias cuja tacanha mentalidade e avidez por poder e lucro se equivalem, os efeitos disso (extremamente danosos, diga-se) são pouco estudados. Percebo que o país, de forma geral, julga que liberdade de expressão é, e só é, o que não existia durante a ditadura militar, ou seja, lá não se podia falar, aqui eu posso, logo, aqui eu tenho liberdade de expressão. Simplificação idiota.

Sob uma perspectiva, digamos, oficial do termo, a ausência da liberdade de expressão seria a configuração de um constante controle do Estado sobre os meios de comunicação, tal como ocorria durante a Ditadura Militar - ironicamente, quando no poder, a ditadura contou com prestimosa “imparcialidade” da grande imprensa, imparcialidade esta que hoje é caridosamente ofertada às estripulias do capital especulativo e ao anacrônico consenso de Washington – ao passo que o regime militar brasileiro se tornou o vilão de nossa história (maior axiologia de conveniência, impossível...).

Este controle político sobre a imprensa não existe mais no Brasil. Agora é a mídia que pauta a agenda política, e vai mais longe: fabrica crises, acua governantes, deturpa notícias, condena desafetos, inocenta aliados, assassina reputações, persegue jornalistas independentes... E por aí vai... O ditador trocou a farda pelo crachá da emissora de TV...

É essa a liberdade de expressão almejada (e conseguida) por nossa mídia: liberdade para alguns grupos atuarem por cima da Lei, ou melhor, criarem e recriarem as suas próprias leis usando seu lobby financeiro, político e emocional. Seus (pseudo) artistas atuando junto à opinião pública, levantando bandeiras favoráveis aos patrões são um exemplo; há também o lobby coercivo: a ameaça de deflagração de um caos social orquestrado pelos donos dos feudos midiáticos (basta lembrarmos do “maior escândalo de corrupção da história deste país”, do “caos aéreo”, da “epidemia (!) de febre amarela”).

Essa relação afetiva que os meios de comunicação em oligopólio criam com a população me faz lembrar da luta histórica que a humanidade (pensante) empreendeu para desvincular a religião da política. O argumento histórico em favor da separação foi e é o mesmo: as questões políticas, pragmáticas, cotidianas, o provimento das necessidades materiais do povo DEVEM ser arquitetados racionalmente, excluídas desse contexto toda e qualquer interferência dos dogmas religiosos, que, como sabemos, são extremamente nocivos quando deixados impregnar a filosofia, a política, a ciência, a ética, etc.

Traduzindo para o nosso contexto, é fácil percebemos que a dinâmica (da religião e da mídia) é a mesma: o que serve para proteger seu filho da sexualidade precocemente estimulada (...), do preconceito social e étnico, da violência gratuita, etc, ganha, sob a assinatura da mídia (e de seus fiéis), a pecha de CENSURA. Uma gota de racionalidade e discussão nesse oceano dogmático desmontaria essa teoria. Mas não há debate na TV, como não há na missa...

O governo, que outorga as concessões de rádio e TV, hoje é vítima desse monstro titânico que, pela falta de visão estratégica e pelo entusiasmo dos políticos quando de alianças esporádicas, tornou-se dono do que pensa e do que pensará o povo brasileiro (desde que possamos imaginar que ser incitado à ação, ao consumo, à xenofilia, ao racismo... tudo pela emoção, insere-se no âmbito do “pensar”...)

O termo liberdade de expressão precisa ter resgatado o seu significado primordial. Se os manuais de bom jornalismo são rasgados descaradamente diante de nossos olhos todos os dias na televisão, nos jornais, nas revistas quiçá podem eles fazer a um termo, até ele, deturpado. Precisamos suplantar o significado de “liberdade de expressão” nos moldes do que nos é oferecido pela mídia de massas: esta lembra-se do que sofreu (ou não...) durante a Ditadura Militar e nos diz que liberdade de expressão é o oposto do que ocorreu naquele período. Besteira. Restringir o termo a esse significado somente beneficia (e muito) o oligopólio. Precisamos ver a liberdade de expressão como mais, muito mais do que isso. Um verdadeiro pluralismo deve ser estimulado. O povo precisa comunicar-se consigo próprio sem a necessidade de intermediários profissionais. O Brasil é colorido, mas só vemos cinza na televisão e nas outras mídias. Novas idéias e perspectivas (e elas existem aos montes, vide a dinâmica da Internet) devem ser estimuladas à insurgência constantemente. Liberdade de expressão implica desvio, subversão, iconoclastia radical.

Nossa verdadeira identidade deve ser respeitada como uma vertente dessa liberdade de expressão que quero invocar. Abaixo essa Matrix, esse universo paralelo midiático que força os acontecimentos na direção que melhor lhe agrada. Precisamos de uma mídia que se construa do real e abasteça os indivíduos de idéias factíveis no real, coerentes com a realidade e não apartada dela.

O que vemos hoje é uma tentativa de tornar impossível o pensamento de um país melhor, simplesmente porque não conhecemos o Brasil de verdade. Ele nos está oculto. Estamos alienados do nosso país. Não o conhecemos, pois pintam-no errado há décadas. A liberdade de expressão como privilégio decidiu que seria assim... e isso num consenso de meia dúzia. Até quando isso, porra?


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